terça-feira, 29 de julho de 2008

Leite Parmalat

Todas as verdades estão contaminadas. Todas as palavras estão perdidas em discursos vagos, direcionadas a corações imprecisos que se prendem a qualquer frase como naufrago se amarra a uma garrafa vazia de um bom falerno boiando ao seu dorso.


Nossas esperanças estão vendidas a velhos emergentes que enriqueceram com as falhas de ontem. Nossas crenças estão cerceadas por vontades mercadológicas, nossa alegria está condicionada a letras digitadas por um roteirista qualquer do outro hemisfério. Em qualquer prateleira se vê felicidade de plástico.


Nossos dias são sentados, muito bem acomodados, poltronas especialmente desenvolvidas, para aquela sua dor na segunda ou terceira vértebra, massagem para a tensão escondida de ter traído quem mais o ama, como se o amor não passasse de uma mera convenção mal estabelecida entre duas pessoas que se toparam e tiveram libido, por isto, condenadas estão a ter que aturar a outra existência, apenas para ter um maldito alívio.


De todas as nossas tolerâncias, o mesmo veneno ácido. Os dias se vão e se montam os próximos exatamente com o mesmo desenho flácido. O tempo voa e vai cada vez mais rápido, são pessoas correndo, em filas duplas, engarrafamentos praticamente estacionados.


E enquanto tudo isso se faz, as vacas nunca se cansam de ruminar o de que sobrou de ontem pasto.

Lembrete

Quando a grama do quintal do vizinho estiver coberta de merda, não se alegre. Em cima de planta, merda vira adubo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Solidão

Apenas sente o vazio aquele que se encontra ao ermo. O meu desamparo não se encontra em mim. A solidão não é efeito do que fica, mas é fruto da ausência de quem vai.

O que demarca o espaço, a lacuna é um vácuo, um vazio. O objeto concreto, táctil, determinado vê sua definição como ser indefinido. Porém, esse indefinido tem seu nome.

Então os olhos fitam a ausência. O lugar vago se torna mais evidente, os rotos virados, meu corpo sem abraço, a lágrima que sozinha seca, o chão frio que me suporta. Sempre há algo me pressionando contra o chão. Mas sem você o ar tem mais peso, o ar fica mais denso.

Quando perco o juízo, perco porque na sua ausência nenhum dos azulejos possuiu a mesma cara, eu descubro como odeio todos os quadros pendurados na parede da sala e que todos os programas de comédia são sem-graça.

Alguns dizem que a solidão faz crescer. Outros que estar sozinho lhe faz ver com mais clareza quem se é. Bem, na minha solidão eu enxerguei, mas não a mim, mas a você. O espaço onde estaria você, o espaço que ocupam seus pés, vi que no quebra-cabeça da minha vida seu sorriso se encaixa com todas as outras peças. Vi as lacunas que ficaram na sua ausência.

O que descobri com a sua inevitável ausência que em minha alma a vida é inviável sem a sua presença.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Adeus a ele

Meu avô materno não fez parte efetiva de minha vida. O vi em poucas oportunidades da minha vida, se comparado a outros parentes. As construções que tenho dele são de um homem controlador, rígido, forte, seco.

Foi um homem que construiu sua vida, suas poses. Errou muito, principalmente com minha avó, e até o fim de sua vida nutriu um ódio injustificável por ela.

Casou-se com uma prima, que cariosamente também chamo de avó, pelo exemplo de pessoa que era. Uma intelectual, sem dúvida, uma mulher de sucesso.

Minha avó, a odiada, pode não ter sido um sucesso acadêmico, tampouco científico, mas é uma das pessoas mais doces que há no mundo. E toda mágoa que meu avô causou a ela e seus filhos é intolerável.

No leito de morte meu avô deu o braço a torcer, recebeu e voltou a falar com minha mãe. Ao bater à porta a morte nos chama a lucidez ou ao desespero, não sei.

Infelizmente, não pude estar em seus últimos momentos, fazer parte de sua ida. Ele também não fez parte do meu início. Não que isso seja algum tipo de vingança ou justificativa, pelo contrário, muito sinto por estar longe de parte da minha família num momento pontual de sua configuração existencial, a morte do patriarca.

É duro ter que se limitar a distância e encarar ter a relevância de mero mapa genético, não fazer parte do dia-a-dia daqueles que de meio sangue meu tem a mesma origem.
Ele já foi sepultado. Não vi sua luta. Não vi seu agonizar. Não vi seu corpo sem vida. Não vi as lágrimas. Não pude dar abraços. Não recebi abraços. Sofri escondido, calado, depois de saber que morreu, muito depois do corpo já ter sido sepultado. Ele se foi e, quando eu soube, sofrer já era démodé.

Não poderia chorar aos outros prantos, já secaram as lágrimas do sepulcro, agora elas escondidas estão no fim dos dias de cada um que dele guardam boas ou más lembranças, que o odiavam tanto que chegavam a lhe amar e aqueles que o amavam porque simplesmente o haveriam de amar.

Levantar o peso nas costas de que estar longe é estar sozinho não é fácil. Não queremos acreditar, mas estar longe nos impede de fazer parte, não impede de sentir, não impede de nutrir um laço. Mas é um laço largado, distante, até que cheguemos perto, o cutuquemos. Se a gente deixa o laço largado, ele fica lá, até que o tempo o consuma e o que outrora havia se desfaça como pó que tudo há de voltar. Pó que volta agora meu avô.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Maré de azar

Às vezes a gente descobre que nossos desesperos não passam de uma paranóia boba. Aquele suor frio, o medo que cortava a espinha do oriente ao ocidente, o ar seco que rachava os lábios em um dia frio.

Nós temos sonhos, aspirações, desejos. E, por algum motivo que desconheço, gostamos de acreditar que irão se concretizar. Você vai casar com a pessoa que ama, terão filhos, uma boa casa, um bom trabalho, viajará pelo mundo, conhecerá gente, será famoso, terá aquele carro esportivo, uma casa na praia ou às vezes você só quer tocar os lábios daquela garota com quem nunca teve coragem de falar e que não sabe da sua existência.

Mas desse sonho perfeito, que acreditamos estar predestinados e que logo dará certo, logo se fica no plano dos sonhos. Você não consegue se satisfazer. Sente ciúmes, raiva, medo, angustia, solidão, traído, largado, usado, errado, perdido, isolado, esquecido, rejeitado, ferido. E na maior parte das vezes você não tem razão. São sentimentos, a última coisa de que derivam é a razão.

Então, quando não bastava a sua esquizofrenia, vem a realidade e o faz crer que toda a sua paranóia é real. Você leva a primeira rasteira da vida e crê ser uma seqüência. A sua insegurança, que já era incrivelmente perspicaz, se torna homérica. Você começa a destruir sozinho a tudo aquilo que tinha e não perderia por um simples e mero abalo qualquer. Ninguém mandou ser humano.

Dessa humanidade devassa que corre em suas veias, por alguma sacanagem do destino, vem também a solução dos seus problemas. Passa uma noite, duas ou dez, e você esquece do passado intempestivo.