Ontem, quando subia as escadas rolantes da estação República, ouvi um diálogo, de um casal atrás de mim, um tanto o quanto interessante.
- Só de guardar o bagulho?
- Só.
- Imagina se eu pego um barato desse...
- Mas ai você ia acabar queimando o filme dos seus pais se desse alguma bosta.
- É... O que vira é fazer isso morando sozinho.
- É. Com a grana do trampo, mais uns 150 conto de só esconder o bagulho pros caras a gente tava tranqüilo.
- É, guardar não é vender, não é verdade?
Nosso modo de ser é norteado pelos nossos valores e costumes. Costumes são hábitos, tanto individuais como coletivos. Já nossos valores são constituídos pela repetição de nossos costumes.
Ou seja, a ética tem marcas coletivas e marcas individuais. Outra marca é que a ética não é imutável, os valores vão se alterando de acordo com época, localidade, grupo e segmento social.
Por isso, seria leviano de minha parte dizer que os interlocutores desse diálogo não possuem ética, ou ferem a ética. O que eu posso dizer é que eles ferem a minha ética.
Para mim, guardar essa droga é fazer parte do sistema de venda do tráfico, é ser uma peça da maquinaria que move essa ação criminosa que é a venda de entorpecentes.
Acontece que eles não interpretam assim e mesmo que interpretem dessa forma, para eles, se não venderem, não fizeram nada de errado. É a alteração de um valor. Não vou dizer se é boa ou má, afinal, seria exprimir juízo de valor sobre um tema que não está em debate neste texto, que é a legalização de certas drogas.
O que quero caracterizar é que a moral excede as linhas das nossas normas jurídicas, já que o porte da droga também é ilegal. Acontece que há uma alteração de nossa norma moral, ou seja, uma alteração, ou um contraste da ética dentro um segmento social que engloba a nossa sociedade.
Celeuma que tenho neste momento é: Se as pessoas estão cada vez mais dispostas a aceitarem a transgressão de nossas leis como algo habitual e normal, o quão próximos estamos da desestruturação de nosso sistema de estado de direito?
Nossas instituições perdem legitimidade, a corrupção pessoal é, cada vez mais, uma esperteza e não imoralidade. Meu temor é, que nesse trânsito da moralidade para imoralidade, o caminho que mais se torna atrativo é o da amoralidade. Aquele que puder, não feche a porta quando sair de nosso caos, há muitos por passar.
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