quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Abraço

Tateava com os dedos cada frágil espaço de seu lápis amarelo. Amarelo corroído por seus momentos de nervosismo, sua sublime manifestação de ansiedade ao cravar os molares no frágil lápis. Mordia com força, mas apenas para fundar suas presas na vítima sem causá-la maior dano que a mera superficialidade de arrancar-lhe a derme amarela.

Eram cicatrizes das mais belas, seus dentes eram perfeitos, um acerto genético que seus pais não esperavam. Nenhuma cárie, nem a possibilidade de usar aparelho, nem arrancar o juízo fora preciso. Mas essa mania de torturar o lápis era seu provável pecado bucal.

Sem dar-se conta de seu potencial devastador. Mal sabia ela que entortava pescoços ao roçar o bendito lápis ao lábio, lábio que era mais que desejado, lábio que atiçava e cativava, atordoando o sonhador mais acordado.

Seus pés marcavam o ritmo de uma canção qualquer que ouvira na rádio e pensará ser do tempo de seu pai. Era tão retro, porém simultaneamente instigante. Era o passado rugindo a sua realidade com palavras de um morto instante mui distante. “E se a dor é de saudade, e a saudade é de matar, em meu peito a novidade vai enfim me libertar!”

A aula era muito chata. O tempo não passava. Sua impaciência balbuciava seu mais digno tique, enlaçava duas mechas de cabelo com o indicador, mecanicamente. Seu olhar era reto e profundo, sua testa ligeiramente franzida mostrava a ligeira tensão que tomava seus pensamentos. O olhar era gélido, fixado num ponto vazio que ela em si não via.

O tempo a tomava por lembranças perdidas de quem se fora há pouco tempo. A dor da saudade matava, a dor da saudade era de morte. Sucumbia entre as fotos daquele que não voltaria; aquele que a fizera e sem avisar, fora embora sem uma sincera despedida. Seu coração só a ferida sentida, o pulsar tornava a dor mais evidente. Estar vivo só torna a dor que sentia ainda mais latente.

Quantos sonhos sonhara em seu colo? Quão alto fora levantada por seus braços? Via-se agora sem seu mais firme logro, via-se sem seu paterno laço. Despencaria do alto? Capaz seria de se levantar? O pó que arde é o da queda ao rosto e não o dos pés por em caminho pueril der dados aos pés compasso.

Seu anseio era por um caloroso afago. Seus olhos denunciavam o coração me pedaços, por tão cabisbaixos. Mas a solidão arma, a solidão assusta e quem mais precisa do afago é aquele que a ajuda recusa.

Ao perceber a desolação, alguém lhe pergunta, tudo bem?

Tudo. E fim. A mentira sincera da educação, onde se pergunta aquilo que a resposta não se quer ouvir e se a resposta for a de quem não quer falar, o jogo de vida de maneira perfeita acontecera.
E engolira o trêmulo. Fingira nada haver, fingira quem fora pouco ser, fingira o sorriso mais falso, fingira que fingira. Era tal falsa que a alegria soava apatia.

A esperança era vaga. Precisava de um milagre, precisava de insistência, precisava de alguém que a sacudisse o dissesse que não estava bem, estava em cacos, a dor a acometia de lado a lado, seu rosto era a transfiguração de quem não suportava o próprio fardo. Precisava que dissessem o que ela e todos já sabiam, precisava ouvir as palavras de tudo aquilo que todos nós já imaginávamos, mas desejo de dizer por ser tão cômodo deixar alguém se atormentar com uma angustia que ali não deveria estar.

A novidade fora o abraço. Descompromissado, inesperado e devastador. Está tudo bem, isso vai passar. E as lágrimas dela vêm ao ouvir as palavras de alguém que ela nem imaginava que a queria bem.

1 comentário:

Insolente disse...

dá uma olhadinha no meu blog ;)
bjos