quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Lembrança de um dezembro

Numa daquelas tardes insuportáveis de tão quentes de dezembro, meu pai aproveitava seus quinze dias de férias. Acordava às 8h45 da manhã, apanhava o jornal à porta, sentava-se no sofá da sala de estar, apoiando os pés na mesinha de centro.

Como sempre, minha mãe adentrava a sala, dava um tapa em seu ombro e dizia que ele estava destruindo sua mesinha, para ir lavar as mãos e vir tomar o café. Ele ria. E sempre riria enquanto ela acreditasse que um dia ele deixaria de por os pés na mesinha.

Eu já teria acordado há um bom tempo. Teria. Aquele dia a coberta estava especialmente aconchegante, meu quarto fresco e a casa calma. Eu não queria sair, sabia o que iria acontecer se saísse.

Mas a porta se abriu, aquela faixa de luz entrou e bateu diretamente em meu rosto e não adiantou eu fingir, lá estava a minha mãe me sacudindo.

Já acordei, resmunguei. Aquele olhar de você está me enrolando pilantrinha estava estampado na cara de mamãe. Mas ela fez que acreditou e saiu. Mamãe sabia que eu tinha noção do que acontecera e que o pior poderia acontecer. É provável que isto tenha lhe motivado a não me arrancar o edredom, como fazia costumeiramente.

Ontem à tarde, meu labrador fugiu. Mamãe voltava do mercado e ao abrir o portão para entrar o ligeiro Bob passou. Ele sempre fugiu, gostava de ir aos terrenos baldios da região, revirar as latas de lixo da vizinhança.

Mas desta vez não. Eu estranhei quando papai voltou sem ele. Ele sempre achava o Bob, que corria muito, mas era muito bobo e por isso preza fácil para qualquer um que tentasse capturá-lo.

Mas aquele dia que tudo fingia estar onde deveria, aquela atuação de meus pais de um dia normal se desconstruiu no momento que o telefone tocou.

Meu pai estava à mesa, minha mãe à pia, eu entrava na cozinha ainda sonolento, esfregando aos olhos, cabelo bagunçado, movimentos lentos e meu pijama azul.

A face de meu pai ficou pálida. Ele sabia o que era aquela ligação. Minha mãe passou de cortar cenouras, concentrara seu ouvido na direção de papai.

Ele apanhou o telefone, murmurou para mostrar que ouvia o que a outra pessoa falava. Sua face foi ficando cada vez mais preocupada, franzia a testa, a mão cobria os olhos e enxugava o suor frio.

Faça o que tem que ser feito. Até hoje me lembro de sua voz trêmula dizendo palavra por palavra. É como se cada letra fosse um corte de espada.

Papai nunca me contou, naquele dia apenas me disse que Bob nunca mais voltaria. Mais tarde fiquei sabendo por amigos da vizinhança que ele fora atropelado e que meu pai o levara para uma clinica veterinária, onde não resistira e se fora de vez.

1 comentário:

Anónimo disse...

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