quarta-feira, 12 de março de 2008

Conto de infância


Os ladrilhos amarelos davam o tom do quintal. Nas manhãs de sol tímido, porém lascivo, de ponta a ponta eu via próximos ao varal, bem longe, no alto intocável por minhas pequeninas mãos, trafegavam lépidos colibris.

Batiam velozmente suas asas, tanto que nem as via. Ficava irritado, já que a asa do pardal, como é, eu sabia. Mas os colibris estavam inalcançáveis para o alto dos meus seis anos, e por mais qu´eu pulasse, o beija-flor de mim riria.

Voavam irrequietos, apresados, lembravam-me os paulistanos que eu vira na tevê, sempre apressados, mas acho que nem eles sabem o porquê de tanta azáfama.

A mulher lavava roupa e eu balançava a cabeça ao ritmo da água que brotava da torneira, o som do esfregar a roupa ensaboada dava tom à melodia do meu cotidiano risível, a mulher enxaguava mal a roupa e pendurava no varal.

O colibri era atraído pelo sabor do novo sabão em pó, que agora tinha aroma de flores, e voavam tontos sem ter idéia de onde as flores ficavam, vagavam como baratas tontas ao spray inseticida.

Pior tonto era eu, que na descomunal valsa sem ritmo imposta pelos colibris, ficava perdido a querer tocar o pássaro destro, mas esse sempre me deixava sem nó.

Então, um dia meu pai comprou uma mangueira de pressão. Acabou-se o baile, acabou-se o cheiro, e o pequeno guri, que era eu, conquistou nova diversão.

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