sexta-feira, 22 de maio de 2009

Um grande engano

A vida é um grande engano. Somos dotados da esperança de um porvir confortável, agradável, onde poderemos degustar aquela felicidade utópica de um filme meloso de Hollywood. Buscamos a felicidade em cada esquina, de forma tímida, disfarçadamente involuntária. Esperamos que um(a) estranho(a) que dobre a esquina guarde a formula de nossa felicidade em seu sorriso, desejamos ardentemente que o segundo seguinte venha acompanhado de um êxtase constante e infindo, uma mentira inventada pela nossa necessidade presente de completar o abismo que impera no âmago.


O que falta é uma resposta e a nossa tendência é procurar a solução em outra incompletude. Buscamos algo que encaixe, desesperadamente esperamos que a resposta esteja em um ponto exato, tátil e visível de nossa vida. É a forma mais cômoda e fácil de encarar o assustador vazio, buscar a resposta no vazio de outrem.


Nosso desespero se constrói quando o conto de fadas que construímos se mostra como um castelo de areia frágil que se desfaz com a repentina mudança da maré. A mácula que nos tortura se faz evidente quando nos deparamos com a frustração de espelho. Somos tão defeituosos que a imperfeição é um fato assombroso.


Perdemo-nos em ilusões vãs quando a verdade é que nosso foco está errado. Queremos ignorar a incompletude, queremos fugir da verdade de qualquer forma, mas é inevitável, nossa carne não mente, nosso sangue carrega o vil veneno de ser errante. Nossa sina é seguir desesperadamente de lástima a falhas, torturando nosso peito com esperanças de alegrias falsas que apenas tomam o tempo e intercalam o momento que encaramos a realidade.


A vida é um grande engano, pois queremos ver tudo colorido, queremos cores alegres, queremos música e requinte. Porém a vida não passa de um ciclo eterno, um romper constante, a instabilidade visceral de alegria e tristeza.


Mas a vida não é preto e branco. A vida não passa de um grande engano. A vida é um emaranhado de tons de cinza. Tentando esvair-se da escuridão e atingir seu deslumbramento de pura luz.


Tenro engano. Enquanto nossa busca for incansável por um sorriso perdido, quando nosso dia não for alegre enquanto os pássaros não entrarem pela nossa janela e nos fazerem crer na vida em conto de fadas, a vida não passará de um narcótico.


Narcótico que perpetuará durante o tempo que pulsar no peito a imbecil insistência de beber a ilusão, alcoolizar-se na esperança de não ter que encarar o fato de ser você mesmo. Ninguém gosta de estar tão próximo dos defeitos quanto à pessoa que os comporta, é para ela que eles os são mais evidentes.


Mergulhados em nossa escandalosa podridão, buscamos na imagem de perfeição dos outros a solução para a corrompida estrutura de vida que somos. É uma pena que imaculada imagem construída em nosso âmago seja incapaz de preencher os espaços não-preenchidos de nossas almas disformes. Uma imagem não passa de uma imagem, um reflexo distorcido por uma água turva. Quanto mais próximos, mais claro o reflexo. E quanto mais claro, mais abominável.


Somos insuportáveis. Tão insuportáveis e entregamos aos outros o carma de nos suportar. Se tivermos que nos suportar sozinhos, enlouquecemos. Talvez por isso sejamos tão incompletos.


Meu objetivo não é ser trágico. Nem simplesmente apontar o óbvio de sermos meras personagens construídas que buscam verdades em meras interpretações teatrais de outros que são meramente tão iguais a nós. Meu sorriso de canto está em dizer que ao encarar a incompletude e aceitá-la está a liberdade. A verdade é que há buracos que não precisam ser preenchidos, lacunas são necessárias, para que o tempo demarque a vida sem que desesperadamente tentemos planificá-la, quando viveríamos em verdade se estivéssemos interessados apenas em viver a vida.


Mas preferimos degustar a vida em busca de respostas, significados, verdades, de perfeição; vivemos em busca de algo que pudéssemos admirar. Ledo ardil. A vida não passa de um engano, cheio de incertezas, máculas e inverdades. Nós somos fogo e palha, queimando em nossos atributos como forma de seduzir e destruir o dia de outro alguém.


A vida é um grande engano. E a verdade é que adoramos nos enganar todos os dias. Temos prazer em viver essa pequenas mentiras, gostamos da sensação de torcer para que ela dê certo, mas gostamos da segurança de que não seja eterno, de não estar acorrentado, ligado definitivamente a uma decisão de puro contorno de pueril emoção.


A emoção se vai com o movimento e se perder no tempo, com isso a verdade vem à tona e se desfaz todo o enredo. Perdeu a graça para um. É o trágico fim para outro. É o apego brincando com o desapego, nosso jogo de cenas, num ato final que se desdobra enquanto nossas verdades ainda forem as mais incorretas.


Nós adoramos mentiras. Ainda mais quando são, das mentiras, as mais sinceras.